Paradoxo.

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«(...) É por isso que eu não fico satisfeito em sentir o que eu sinto se o que eu sinto fica só no meu peito.»

sábado, 28 de fevereiro de 2009

Casa de ninguem

"Tenho altas árvores fortemente agarradas ao chão que guardam a minha casa contra qualquer intruso.
Há uma janela, redonda como um olho, de onde se vê a enseada e uma casita branca onde ninguém vive.
Pelos corredores os meus passos pisam a cinza dos muitos que chegaram, ficaram e partiram sem dizer adeus.
Há uma modesta biblioteca onde se encostam uns aos outros os livros que li e justamente esqueci.
Na verdade esta casa não é minha. Foi-me emprestada pelo tempo, sem data limite previsível. Na verdade quem habita esta casa não sou eu, mas sim quem recorda espantado aquilo que aqui se foi vivendo muito para alem da sua vontade.
Nas paredes foram pregadas mensagens de encontros e desencontros. Amo-te como a terra ama a agua é uma delas embora não se lhe conheça nem o remetente nem o destinatário. Levo-te comigo até ao fim do mundo, é nitidamente uma promessa desmedida. Esta casa está cheia de palavras que no silencio profundo voltam a ser pronunciadas. E ecos de choros, gritos de dor e prazer confundidos.
Há fotografias de antepassados dos que nunca foram vistos e de pessoas amadas que se tornaram irreconhecíveis.
Por mais longe que esteja nunca é demasiado longe, levo-a comigo, como um animal que transporta a sua protecção. Esta casa onde me abrigo do mundo vai também tendo a sua vida muito independente da minha.
Na verdade eu não tenho casa, a casa é que me tem a mim. Não sou eu que a guardo, mas sim o inverso disso. Silenciosa guarda em si todos os segredos, os mais libertinos, os mais inócuos e infantis.
A casa está vazia, inundada de silêncios.
Meu amor, vem.
Faltam os demorados passos, as súbitas paragens. É por isso que estou quieta, a minha intelegencia pousada sobre as mãos a olhar o que os braços não alcançam."

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