Paradoxo.

A minha foto
«(...) É por isso que eu não fico satisfeito em sentir o que eu sinto se o que eu sinto fica só no meu peito.»

sexta-feira, 24 de julho de 2009

«Ele tinha acreditado numa coisa e depois deixará de acreditar nela. Quando tentava lembrar-se daquilo em que tinha acreditado, não conseguia. A partir dessa altura começou mesmo a acreditar que não tinha acreditado em nada. Saber a verdade tornara-se uma expressão imprecisa, e a tal perspectiva, em que tudo ganhava sentido, demasiado estreita e inclinada, provocando um fenómeno comparável em física a uma ilusão óptica. A vida parecia-lhe agora irremediavelmente desfocada.
Adormecia de novo para acordar com os raios de sol a baterem-lhe na cara. Deixava-se ficar muito quieto. Talvez o dia de hoje não seja a simples continuação do dia de ontem, pensava. Talvez tenha ficado adormecido durante muitos dias, vários meses, anos. Talvez tenha acordado noutro mundo qualquer. Mas o que é que isso podia mudar? Transportava consigo o dele e esse estava definitivamente gasto. Não há maneira de fugir do que se leva consigo dentro da cabeça, mesmo no mais distante ponto sideral. Decidia levantar-se, mas continuava imóvel. (…) Só a cabeça não parava. Queria parar mas não parava. Imagens muito nítidas sem continuidade, recordações quase sempre dolorosas – quando não o eram vinham logo agarradas a outras –, frases estilhaçadas, sentimentos irremediavelmente confundidos. A paixão misturava-se com a traição. A própria lealdade, uma cega e dolorosa injustiça. Ele, como todos os que nascem fortes, não tinha se não desenvolvido o seu poder para se tornar ainda mais forte, à custa dos outros, e da maneira mais perversa, que é a da bondade. Não havia perdão, não porque as suas faltas fossem demasiadas, mas porque o perdão era uma das palavras que ele tinha destruído dentro de si.
Um vazio a ocupar a próxima hora. Sem futuro vai-se tudo o resto, até tudo o que já passou, disse baixinho a sorrir. Todos os gestos inúteis, as palavras apagadas, os amores desfeitos, as amizades consumidas. Era assim que ele pensava se bem que não fosse verdade





Pedro Paixão

Sem comentários: